Vida de cadete — 6 meses de 42 SP!

Rods
10 min readApr 23, 2022

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Se você acompanhou a minha série de posts sobre o basecamp da 42sp e se pergunta se toda aquela falação deu em alguma coisa, vim aqui tirar essa dúvida de uma vez por todas: sim, deu bom! Eu fui aprovado naquele basecamp e me tornei cadete na 42SP! 👏🎉🎊

Isso aconteceu em maio do ano passado (2021).

De lá pra cá, a minha vida deu uma guinada em uma direção que, hoje acho, foi a melhor possível, mas isso não aconteceu sem nenhum custo. Afinal, altos investimentos podem trazer altos retornos, mas o resultado nunca é garantido.

E chegando ao fim da primeira etapa do currículo da 42 (com alguns meses de “atraso” — vou explicar isso melhor), decidi fazer esse post refletindo sobre como foram os meus primeiros 6 meses de 42SP real oficial.

Ou quase. Você, leitore atente que tá aí fazendo as contas, observou que de maio do ano passado para o momento em que esse post está sendo escrito (fevereiro/22), se passaram 9 meses.

O título, claro, não é (apenas) um clickbait sem vergonha: desde quando entrei na 42SP e até terminar o ciclo básico, muita água rolou debaixo da ponte. Esse post tem o objetivo de partilhar a minha história individual passando pela pedagogia da 42 — e até mesmo por isso, não tome nada do que você ler aqui como um posicionamento oficial da escola — , compartilhando altos, baixos, e dando alguns insights para você, você mesme que está se perguntando o que é isso de 42 ou se a 42 é mesmo pra você (resposta rápida: é pra você sim, mediante a energia que você dá em troca pra 42).

Então para celebrar este marco (1ª fase do jogo: concluída ✅) e também com o objetivo de trazer mais sobre a vida de cadete na 42 de São Paulo, escrevi essa série de posts que começa com este aqui, contando um pouco sobre a minha trajetória desde que entrei na 42, e que será devidamente seguido por outros posts aqui no Medium falando sobre o que me ajudou como fundamento para os projetos; como o currículo se divide e o que esperar dos projetos; polêmicas da comunidade, e finalmente, o que esperar daqui pra frente?

Para saber quando rolarem novos posts dessa série, aproveita e já me segue aí no medium e se inscreve pra receber e-mail de notificação, enquanto eu encerro esta introdução, e entro direto no assunto que todes querem saber: como é estudar na École 42 em São Paulo.

Lá vamos nós!

Minha trajetória desde que entrei na 42

O melhor lugar pra começar essa história é com esse print-resumo do meu ano no Github:

Recorte do meu perfil no Github: uma malha de 365 quadrados dispostos retangularmente, cada quadrado representa um dia do ano e é preenchido de acordo com a atividade (quantidade de commits) submetida naquele dia.O período anterior a abril e entre julho-setembro está vazio (sem commits). Também está vazio um período de 4 semanas em outubro-novembro.

Antes de abril de 2021 eu nem tocava no meu Github pessoal. Trabalhava como programador júnior em uma grande empresa de tecnologia, meu primeiro emprego na área, fruto de uma mudança de carreira que fiz dois anos antes. Estava ligado na 42 desde que ela chegou no Brasil, e como eu era novo na área de programação, eu sentia falta de uma formação mais completa da área (até então o que tinha de experiência era um bootcamp de 3 meses full stack em Java/Angular, e havia passado a maior parte dos últimos 2 anos programando em Cobol, pasme). Por acaso do destino conheci uma das pessoas que ajudou a trazer a 42 pro Brasil, e me encantou a pedagogia não-tradicional da 42, era algo que eu realmente queria experimentar.

Pelo que ouvi nos check-ins que participei (fiz presencial pré-pandemia, e depois, online), sabia ser teoricamente possível tocar a 42 junto com o trabalho, mas que não seria possível fazer uma piscina/basecamp ao mesmo tempo pois o processo seletivo era imersivo e pedia muita dedicação. Por isso me planejei e tirei férias para poder estar o mais entregue possível durante o basecamp. A ideia era que, se desse certo de entrar na 42, eu me esforçaria ao máximo para ser uma das pessoas que conciliam um trabalho (em tecnologia, imaginava que isso me ajudaria eventualmente) junto com a 42.

Pois bem, minha experiência no basecamp foi ótima e exaustiva — escrevi sobre ela nessa série de posts, dá uma olhadinha se ainda não conhece 😉 — , o que dá pra ver olhando o histórico de commits em abril. E valeu a pena, pois na primeira quinzena de maio estava iniciando minha jornada na 42sp! Pelo mês que se seguiu, me dediquei a equilibrar os pratinhos do trabalho e da 42, tocando o primeiro projeto do currículo (o famigerado Libft). E consegui! Construí e entreguei o projeto dentro do timebox estabelecido pela 42.

Mas logo em seguida eu vi que, pra mim, não ia dar certo seguir com essa rotina extenuante por muito tempo. Chegou o segundo projeto e eu meio que entrei em pânico porque eu olhei pra frente e o que eu vi no horizonte foi muita frustração e pouca realização pessoal. O segundo projeto logo de cara envolvia conceitos que não estavam inteiramente claros pra mim mesmo depois de 7 listas de C em um basecamp e de uma Libft inteira , e eu sabia que se eu tentasse entregar esse projeto na “força bruta”, eu nem iria resolver o meu problema (a falta de conhecimentos específicos) e nem me sentiria bem comigo mesmo (porque eu sabia que eu não saberia DE VERDADE explicar o projeto, mesmo que eu conseguisse passar nas defesas peer-to-peer, um dos pilares da 42). E naquele momento eu tive a visão de que, se continuasse do jeito que estava, as coisas só iriam piorar quanto mais pra frente eu tentasse prosseguir no jogo da 42.

Eu olhava pro pdf do projeto e aquelas páginas com frases secas, curtas, pouco convidativas me assustavam.

E qual era esse jeito em que as coisas estavam? Eu me via todos os dias chegando ao final de um dia de trabalho exausto. Eu olhava pro pdf do projeto e aquelas páginas com frases secas, curtas, pouco convidativas me assustavam. Eu não tinha energia pra focar no projeto; eu pedia ajuda da comunidade e não estava conseguindo absorver a ajuda oferecida porque a informação não estava chegando até mim mastigada de um jeito que fazia sentido pra mim — no anseio de ajudar, observo muitas pessoas oferecerem respostas prontas que resolvem um problema pontual, ao invés de oferecer explicações didáticas, contextos, ou acenos em uma possível direção para encontrar respostas. Às vezes te soterram com links difusos, e quando você tem pouco tempo e pouca energia para resolver o problema, esse tipo de ajuda é pouco efetiva. Após o expediente, eu não tinha muitas horas depois de preparar a janta, jantar, lavar a louça e antes de ir dormir, e essas horas não estavam sendo suficientes para responder minhas dúvidas, e nem de qualidade.

Além disso, eu hoje moro só, cuido de todas as minhas tarefas domésticas sem ajuda externa. Rastrear os itens essenciais que estão faltando na casa, ir ao mercado comprá-los, limpar e acomodar as compras, preparar as refeições, cozinhar, lavar a louça, limpar o fogão, varrer o chão, tirar pó das superfícies, esfregar o box e a privada, limpar janelas e espelhos, botar roupa pra lavar, estender a roupa, dobrar a roupa, guardar a roupa, vezenquando lavar a máquina de lavar, vezenquando passar pano na casa porque só a vassoura não dá conta de limpar, vezenquando jogar água no chão da cozinha que facilmente fica encardido, limpar as lixeiras, viagens à farmácia, consertos domésticos que brotam sem aviso prévio, pagar as contas em dia, enfim. A lista é longa, e eu sou apenas 1 ser vivo nesta residência tocando as coisas malemá. Não tenho os finais de semana “livres” para empregar mais tempo para a 42 — porque o trabalho doméstico, diferente do assalariado, não tem pausa aos finais de semana e nem férias, e igualmente custa horas, energia, foco. Acho importante escrever esse parágrafo porque realmente percebo muita gente que não tem a real dimensão do que é cuidar de uma casa. É muito comum também que essas pessoas sejam exatamente as que têm alguém para fazer essas tarefas por elas — que não raro são mulheres, da família ou contratadas. Fica a reflexão.

Com toda essa falta de tempo, eu acabava perdendo muitas das oportunidades que a 42 tem pra oferecer: não conseguia participar de alguns eventos de clubes porque eram no horário do trampo, ou às vezes trampava até mais tarde e não participava das reuniões de comunidade ou das 42talks, parecia que a lista de “gravações de eventos que eu não pude estar no dia e que vou ver depois” só aumentava. Eu via colegas que entraram no mesmo basecamp que eu avançando no currículo e aproveitando essas oportunidades, e me sentia genuinamente frustrado por não estar conseguindo usufruir da 42 como eu gostaria, menos ainda contribuindo de volta com a comunidade. E para completar, minha situação no trampo também era a de estar diante de grandes desafios e montanhas de coisas desconhecidas para aprender com pouca ou nenhuma instrução. De todos os lados eu estava precisando de tempo, energia e foco. E a sensação era a de não estar conseguindo me oferecer isso em lado nenhum.

Eu via diante dos meus olhos a oportunidade da 42 escorregar pelos meus dedos, e eu não queria que isso acontecesse.

Em resumo, conforme as semanas iam passando, a sensação de estar sendo soterrado só piorava. Eu via diante dos meus olhos a oportunidade da 42 escorregar pelos meus dedos, e eu não queria que isso acontecesse, porque voltar para uma instituição de ensino tradicional apenas não era uma opção para mim (e isso daria um outro post inteiro por si só). E foi então que eu senti que eu precisava, principalmente, de tempo para conseguir me enxergar dentro da minha situação, para então poder tomar uma decisão.

Esse foi o período que marca o hiato entre julho e setembro no print do Github. Pedi A.G.U. na 42 (uma espécie de trancamento da matrícula), e foi então que busquei ajuda na minha rede de apoio (e até mesmo no bocal da 42) para ponderar. Como disse lá em cima, minha decisão não foi fácil e livre de riscos / sem perdas, mas eu realmente confio que foi a melhor que pude tomar naquele momento. Escolhi pedir as contas do trampo para poder me dedicar em tempo integral à 42.

O mês de setembro no diagrama marca meu retorno para a escola, a partir de quando passei a commitar quase diariamente, agora podendo me dedicar em tempo integral para o currículo da trilha de fundamentos da 42. E é por isso que eu brinco que estou há 6 meses na 42 — desconsiderando o tempo que precisei tirar pra arrumar minha vida!

Escolhi fazer um joguinho 2D copiando o Pokémon Yellow e definitivamente foi o melhor projeto que fiz na fase 1!

Sem entrar tanto nos detalhes de cada projeto (porque se não esse post não vai sair nunca 🆘), a primeira fase do jogo dá um bom giro em grandes conceitos do mundo de ciência de computação. Nos 3 primeiros projetos estamos aprendendo o básico da linguagem C, principalmente a gerenciar memória e manipular ponteiros, construindo a biblioteca de funções Libft (detalhe: ft = forty-two, quarenta e dois em inglês 👽), que serão utilizadas em todos os projetos ao longo da trilha de fundamentos. Em seguida, aprendemos um pouco sobre administração de sistemas subindo uma máquina virtual Linux. Depois, existem três opções de projeto que você pode escolher fazer para aprender a programar com eventos e com elementos gráficos dentro de uma janela — eu escolhi fazer um joguinho 2D copiando o Pokémon Yellow e definitivamente foi o melhor projeto que fiz na fase 1! E o último projeto do currículo é também uma escolha que se faz entre aprender sobre sinais Unix, ou sobre a execução de comandos do sistema operacional usando processos filhos e pipelines (o operador | no bash). Se quiser ter um gostinho do que vem pela frente, dá uma fuçada nos Notions que escrevi pra cada projeto do currículo até um momento.

De maneira geral, entreguei todos os projetos dentro do tempo estipulado para cada projeto, ou seja, depois que voltei de AGU, não perdi mais vidas no jogo. Também não super adiantei a entrega dos projetos. E pra mim está tudo bem, porque todos os dias tomei a decisão consciente de levar o tempo que eu precisava para estudar mais conceitos que estavam nebulosos, buscar referências suplementares, pedir ajuda, contribuir com a comunidade, cuidar da minha casa e de mim, e principalmente, de não subestimar a necessidade de descanso.

Entendo que muita coisa precisou convergir para que eu pudesse dar esse passo, e que não são todas as pessoas que conseguem hoje tomar uma decisão parecida. Se você está em uma situação em que não pode se dedicar integralmente para a 42 e se pergunta se isso dá certo, não tome a minha história como a única possível. Temos sim cadetes que trabalham e tocam o currículo. Eu acredito que no final das contas a resposta para essa pergunta é essencialmente individual. A sugestão que deixo é a de que, dentro da sua situação e do seu momento de vida, procure saber o quanto de apoio (doméstico, financeiro, emocional) você tem hoje, e se não tem, o quanto de apoio consegue angariar para te ajudar a tocar pelo menos os primeiros 6 meses do currículo, que são os mais elementares e fundamentais, e talvez por isso, os mais difíceis.

No final do ano o bocal abriu a escola para visitação em datas específicas, seguindo protocolos de segurança, para pilotar como seria a reabertura da escola em tempos pandêmicos. Foi a primeira vez que nos encontramos presencialmente, depois de termos feito o basecamp juntos e depois de meses estudando na 42. Foi muito massa 🤩

Estou em pé diante de um dos iMacs da 42, com uma mão na cintura olhando para o computador com cara de confuso. Outra aluna está sentada ao meu lado do outro lado da mesa, usando outro iMac. Estamos usando máscara de proteção facial.
Nada como a experiência de não fazer ideia como ligar o computador da primeira vez.
Encontro épico de integrantes d’A Tal Da Vila 37 (nós 4 da direita) na 42!

Enfim, deu pra ver que de maio do ano passado pra cá muita água rolou. Aprendi uma pá de coisa, fiz novas amizades, vi tretas desenrolarem, visitei a 42, fui voluntário do basecamp, estou me preparando para o processo seletivo do 42 Labs, e definitivamente me sinto mais leve, mais seguro, mais autônomo, e mais preparado para encarar o que vier pela frente dentro e fora da 42.

Este foi o primeiro post da série “Vida de cadete”, em que pretendo explorar como tem sido estudar na École 42 em São Paulo. Os próximos textos pretendem olhar mais de perto para assuntos mais presentes no dia a dia da escola, então não deixa de me seguir aqui no Medium (ou no Twitter) pra ficar sabendo de novas postagens. Valeu!

Eeee saiu do forno o segundo post, em que falo sobre o que precisei estudar pra dar conta dos primeiros projetos do currículo da 42 💪 corre lá pra ver!

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Rods

42sp student, generally curious, aspiring maker of.